Neste artigo, entenda a responsabilidade ética do contador diante de situações de fraude e erros do dia a dia.
O trabalho na Contabilidade tem uma baixíssima tolerância ao erro. Esquecer de entregar uma declaração, errar uma classificação contábil ou apresentar um valor equivocado, pode gerar consequências enormes.
Porém, ao mesmo tempo que buscamos ao máximo não errar, temos que ter a certeza: estamos sujeitos ao erro. E a partir dele começam as discussões: de quem foi a culpa? De quem é a responsabilidade? Quem vai pagar por isso?
A relação do contador com a empresa
De acordo com o Código Civil, a relação do Contador com a empresa é a de “preposto” (o contador) e “preponente” (a empresa, ou o cliente). Isso nós identificamos lá no art. 1.177 do Código Civil de 2002, em conjunto com o art. 1.182.
Enquanto o primeiro traz essa relação preposto/preponente, o segundo artigo citado indica que a escrituração contábil deve ficar sob responsabilidade de um contabilista legalmente habilitado.
Antes que você se pergunte, isso não vale somente para contabilidade terceirizada. Esse preposto, o contador, pode ser interno ou externo, pode ser integrante ou não do quadro de funcionários. Igualmente o dispositivo se aplica.
Segundo esse artigo, os registros feitos na contabilidade da empresa (preponente, o cliente), por qualquer um dos prepostos (contador) encarregados por fazer essa escrituração, tem os mesmos efeitos como se o próprio cliente tivesse feito. A única exceção trazida ali é a de ter havido má-fé.
Foi culpa de quem?
No seu parágrafo único, o art. 1.177 esclarece que o contador é pessoalmente responsável, perante a empresa, pelos atos culposos. E aqui a gente precisa entender que o juridiquês se afasta um pouco da nossa forma de falar no dia a dia.
Normalmente, quando cometemos um erro sem querer, respondemos imediatamente: não foi minha culpa, foi sem querer.
Pois é aí que a coisa se separa. Se formos lá no Código Penal, encontramos que os crimes culposos são aqueles em que a pessoa deu causa por imprudência, por negligência ou por imperícia. Já os crimes dolosos são aqueles em que a pessoa quis o resultado ou assumiu o risco de produzir esse resultado.
Perceba, então, por mais que você use a expressão não foi minha culpa para justificar que o erro foi sem querer, na verdade foi algo culposo: mesmo sem querer, você negligenciou aquilo, foi imprudente, comeu bola.
Imagine que você entregou uma declaração em atraso e, com isso, houve a famosa MAED – Multa por Atraso na Entrega de Declaração. O que aconteceu? Você tinha todas as informações, mas, pela correria do dia a dia, por uma falha no mapeamento de processos ou por qualquer outra infelicidade, atrasou a entrega? Então sim, isso é culpa sua.
Portanto, ainda que a administração tributária cobre da empresa essa multa, o contador é pessoalmente responsável por ela, perante a empresa. Ou seja, a Receita Federal cobra da empresa, mas a empresa vai cobrar do contador.
Agora, digamos que a entrega em atraso se deu porque a empresa não cumpriu os prazos de entrega das informações à contabilidade. Aí aparece a importância de um contrato de prestação de serviços muito bem feito.
Estavam claras as obrigações do cliente? Constavam os prazos de entrega das informações para que a contabilidade possa cumprir as suas obrigações? Houve comunicação por escrito do atraso na entrega dessas informações? Foi esclarecido que a partir desse atraso na apresentação dos documentos a consequência seria a entrega em atraso da declaração? Estão todos cientes de que esse atraso na declaração se dá pela negligência da empresa?
Se sim, fica muito claro que essa multa não é culpa do contador, mas, sim, culpa do empresário. O problema é não pensar em nada disso e depois só se preocupar com o assunto quando a multa já bateu na porta. E, às vezes, o problema é muito maior que uma multa.
O buraco pode ser mais embaixo
Uma coisa bem interessante de saber é que aos livros contábeis se presume a veracidade. Ou seja, consideramos que aquelas informações são verdadeiras, até que algo indique o contrário.
Parte-se da premissa de que tudo que foi escriturado pelo contador tem o mesmo efeito de que se a própria entidade o tivesse feito. A partir daí, podemos concluir que o empresário é o responsável por essas informações, em regra geral. Ele, inclusive, não pode simplesmente alegar desconhecimento dos fatos ocorridos em sua própria empresa. Pode parecer bizarro, mas de vez em quando a gente vê por aí essa síndrome do “eu não sabia”.
Agora, o que poderia acontecer é a empresa comprovar que houve má-fé do contador. Nesse caso, em decorrência da fraude do contador, os lançamentos seriam considerados ineficazes e a responsabilidade sairia dos ombros da empresa e iriam pesar sobre o contador.
Aqui, olhamos para a continuação do parágrafo único do art. 1.177 do Código Civil: o contador (preposto) responde solidariamente com a empresa (preponente) pelos atos dolosos.
Imagine um contador que se apropria de valores da empresa que se destinariam a pagar tributos. Ele não recolhe esses tributos e demonstra indevidamente na contabilidade que houve a quitação, para enganar o empresário. Há claramente má-fé e o contador irá responder por isso. Isso não significa que o empresário vá deixar de responder em relação a isso, o que nos interessa aqui é saber que o peso disso também recairá sobre o contador.
Uma área cinzenta
Entre um extremo e outro, podem aparecer situações que nos deixam em dúvida. E aí, precisamos refletir sobre o peso das nossas ações.
Aqui, eu vou lembrar do papo no artigo “Operações sem nota: Contabiliza ou não?”. Se uma operação é feita de forma irregular pela empresa, mas você, contador, não sabe disso, é natural que, por não saber disso, não contabilize. E não há, a princípio, negligência, imperícia ou imprudência do contador nisso.
Mas, agora, imagine que o contador viu essa movimentação no banco, ou viu o bem na empresa. Será mesmo que não há alguma culpa aí ao fazer vista grossa e fingir que não viu?
Agora, vamos mais adiante na imaginação. E quando o empresário disse que fez, ou o contador claramente sabe que o fato ocorreu e, por qualquer motivo, escolheu não contabilizar? Ou ainda contabilizar de forma errada, para que o problema fique menos escancarado?
É o caso clássico da empresa que vende sem nota, o contador sabe e opta por registrar a informação de forma errada, de caso pensado, para não registrar uma receita.
Será que não podemos entender que o contador quis o resultado ou assumiu o risco de produzir o resultado? Não sei você, mas eu sinto cheiro de dolo aí.
Também é o caso das contabilidades maquiadas, totalmente irreais, levadas a bancos ou licitações. O empresário que diz que precisa de mais lucro, ou de um índice melhor etc. Isso é o que eu costumo chamar para meus alunos de “encruzilhada ética”.
Enquanto você não sabe, enquanto você não tinha como saber, faz parte ter sido feito de trouxa pelo cliente e ter assinado um balanço que não condizia com a realidade. Afinal, infelizmente não há como sabermos de tudo.
Agora, a partir do momento em que você, contador, sabe do fato, vem a grande questão: você vai colocar o seu nome e o seu CRC em algo que sabe estar errado, feito de propósito errado? Você está disposto a assumir as consequências desse ato? É esse tipo de profissional que pretende ser?
Eu sei que a questão não é simples, não é leve e tem uma série de variáveis, inclusive econômicas e financeiras. Mas todos nós, considerando a importância da contabilidade, precisamos entender desse tema e, principalmente, nos fazer tais questionamentos.
Fonte: Portal Contábil